sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Claudio Lins – Esse Cara É Bom

Dez anos após sua estreia no mercado fonográfico, o cantor e compositor lança seu segundo disco, com contundente repertório autoral


O nome de Claudio Lins é bem requisitado no meio teatral, sobretudo para musicais, por sua habilidade de cantar e atuar com naturalidade. Por isso mesmo, Cara, o disco que a gravadora Biscoito Fino põe nas lojas nesse mês de junho de 2009, não vai surpreender de todo quem já conhece Claudio dos palcos da vida. Mas vai causar boa surpresa a quem nunca o viu em cena e a quem não ouviu Um, primeiro CD do cantor e compositor, lançado em 1999 pela gravadora Velas. Dez anos depois, o compositor que naquele álbum de estreia já se insinuava talentoso, mas ainda bissexto (somente nas faixas Baião de Tarantino, Estética e O Mundo É Grande), mostra a cara de forma plena. Cara, o CD, apresenta repertório inteiramente autoral, de tom contundente.
A rigor, após a edição de Um, a face autoral do trabalho de Claudio Lins começou a ser exposta para o público através de vozes alheias nos últimos seis anos. Primeiro, em 2003, foi Maria Rita que, com o faro herdado para legitimar compositores em ascensão, avalizou a produção autoral de Claudio Lins ao incluir Cupido no seu primeiro CD, Maria Rita. Depois foram Luciana Mello e Pedro Mariano, ambos em 2004. Ela gravou Impaciência e Camicaze em L.M., seu terceiro álbum. Ele registrou Teatrinho para um álbum (Incondicional) que foi idealizado para aquele ano, mas acabou sendo lançado apenas no mês passado. Mais tarde, em 2007, Luciana Mello – ela de novo, não por acaso presença afetiva no time de convidados de Cara – registrou Língua, parceria de Lins com Dudu Falcão, no CD Nêga.
Cara apresenta as visões do autor para Impaciência, Teatrinho e Cupido. Músicas filtradas pela produção do pianista Rafael Vernet. Se Um tinha textura mais elétrica, moldada a partir da guitarra de seu produtor Fernando Caneca, Cara transita por trilhas acústicas com base no piano e nos teclados rhodes pilotados pelo próprio Claudio Lins. A propósito, as bases do disco foram todas gravadas ao vivo. A Lins, se juntaram para tais gravações de base o baterista Kiko Freitas e o baixista Zeca Assumpção. Trio que se basta, como prova a audição de Bala Meia-Volta, tenso flash cinematográfico da violência que faz balas e vidas se perderem no círculo vicioso e viciado do jogo social. A faixa ilustra o tom imperativo e firme da maior parte das letras deste disco que prioriza tons acústicos, embora já na faixa de abertura, a funkeada Cair e Chegar, Cara não se negue a dialogar com o universo pop de forma contemporânea.
“Só com a boca seca é que se mata a sede”, sentencia o primeiro verso de Cair e Chegar que, pela disposição das onze faixas, é também o primeiro a se ouvir no disco. Cara aplaca a necessidade de Claudio Lins de (se) mostrar por inteiro em sua face autoral. Praticamente só na assinatura das composições (Lotação Esgotada se diferencia na safra de inéditas por ser parceria com o universo particular de Carlos Careqa da mesma forma que Dois Voando traz Márcio Guimarães na co-autoria), mas muito bem acompanhado na gravação de suas músicas. Teatrinho ganha registro em dueto com Pedro Mariano, seu intérprete original, que imprime à faixa o acento pop soul que caracteriza seu canto. Impaciência, por seu turno, não poderia ter convidada mais pertinente: Lucinha Lins, mãe de Claudio, também ela habilidosa na divisão nem sempre explícita entre o ofício de atriz e o de cantora. Quem melhor do que Lucinha para dividir com o filho uma letra que inclui versos como “Precisava de um terno e só tinha um botão / Minha mãe me disse: / ‘Meu filho, tome cuidado / Vai ter que se jogar na vida / E aprender a hora de ficar pelado / E vai ter resfriado / (E o meu botão do lado)”?? Dado enciclopédico: Lucinha Lins foi a primeira a gravar Impaciência para um projeto fonográfico idealizado por uma empresa com inspiração no Dia das Mães.
Na seqüência, Cupido exemplifica de forma magistral a opção de produtor e artista por fazer um disco de silêncios, de espaços, com foco direcionado para as composições. A canção ganhou registro esfumaçado, lento, num clima ligeiramente jazzy. Tudo foi feito no tempo da delicadeza. É nesse espírito que Ivan Lins improvisa batuques suaves em Dois Voando, faixa que traz a voz de Luciana Mello, muito bem guiada pelos meandros do arranjo vocal de Cacala Carvalho. É dueto pouco convencional que aproveita o fraseado belo da cantora sem seguir fórmulas batidas. O resultado é uma gravação cheia de suingue, ampliado pelo baixo largo de Zeca Assumpção. Já DDD viaja pelo balanço do Brasil em rota nacional embalada por cordas e pela cuíca luxuosa do percussionista Armando Marçal, presença luxuosa na ficha técnica de Cara.
Cegueira – cuja letra foi escrita por Claudio Lins com inspiração no livro Ensaio sobre a Cegueira, do escritor português José Saramago – é balada forrada com piano que prepara o terreno para o fim mais camerístico de Cara. Na mesma linha, Ciúme – em que somente o piano dialoga com a voz afinada e sempre bem colocada de Claudio Lins – conjuga com primor densidade e sensualidade. E, no fim propriamente dito, Por Toda Vida – única gravação já conhecida do disco, pois foi lançada na trilha sonora da novela Ciranda de Pedra (Rede Globo, 2008) – junta nos créditos os nomes de Claudio, Ivan Lins e Ronaldo Monteiro de Souza, primeiro parceiro mais constante de Ivan, o tio Ronaldo do universo infantil do garoto que cresceu cercado da melhor música brasileira. Tanto que é jobiniando com as cordas luxuosas do Quarteto Bessler, regidas pelo maestro Gilson Peranzzetta, que Claudio Lins encerra Cara em clima poético, pautado pelo lirismo e por uma musicalidade refinada que não deixam dúvidas: esse cara é bom!

Fonte : Biscoito Fino

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